Conceitos básicos de linguística

Todo estudante de Letras começa seu curso retomando alguns conceitos que, muitas vezes, no ensino básico são apresentados de forma superficial – o que é totalmente normal – ou mesmo equivocada, principalmente quando seus professores têm uma abordagem estruturalista do ensino de língua, algo ainda recorrente em pleno século XXI.

Disponibilizo aqui alguns desses conceitos básicos que poderão ser úteis também a estudantes de comunicação e outras áreas afins.

Linguagem

Abaurre e Pontara definem muito bem linguagem como

uma atividade humana que, nas representações de mundo que constrói, revela aspectos históricos, sociais e culturais. É por meio da linguagem que o ser humano organiza e dá forma às suas experiências.

Se entendermos a profundidade deste conceito, entenderemos que não podemos reduzir a linguagem a um meio de comunicação, como normalmente se faz, já que é a partir dela que construímos nossa memória e consequentemente nossa História. Sem linguagem não existiria a civilização como conhecemos.

Língua

O conceito de língua varia muito segundo a corrente teórica que o professe. Para nós, é importante expor os conceitos com os quais nos alinhamos. Abaurre e Pontara (2006:3) entendem a língua como um

sistema de representação socialmente construído, constituído de signos linguísticos

Observe-se aqui o caráter social da língua, uma vez que só existe mediante esta negociação entre seus falantes. Complementamos o conceito das autoras com o de Marcuschi (2005:31), para quem a  língua é

um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas.

Sendo assim, não podemos entender a língua como uma estrutura autônoma, alheia à realidade dos falantes e imutável.

Signo linguístico

Toda língua se compõe de signos linguísticos, que são as unidades de significação que possuem um significante (uma memória acústica de um termo) e um significado (conceito contido em um signo, acionado pelo significante).

Naturalmente de uma língua para outra os significantes podem mudar. O que passa desapercebido é que o conceito profundo de um termo também pode ser diferente em duas línguas que comparemos, muito embora se refiram ao mesmo ser na natureza. Isso acontece porque tudo na língua é representação, nada retém as coisas in natura, tudo se realiza como cultura. Assim, quando falamos de uma vaca em português, no Brasil, o conceito será muito diferente do que se terá na Índia, por motivos óbvios. É mais uma vez a confirmação de que a língua é uma representação de mundo.

Norma padrão

Sabemos que todas as línguas variam segundo diferentes critérios (o lugar onde são faladas, a época, o grupo que as utiliza etc.). No entanto, todas as línguas – independente do grau de evolução tecnológica que tenham – possuem uma variedade prestigiada que se utiliza para ter acesso a determinadas instâncias de poder. É o que chamamos de norma culta, norma padrão ou variedade prestigiada.

Ao contrário do que possa parecer, a norma culta não corresponde necessariamente ao professado nas gramáticas normativas: é muito mais um amálgama de negociações em torno a formas linguísticas que representam o linguajar de uma determinada elite sócio-econômica que impõe sua variedade como o padrão. Cientificamente não se pode falar de uma variedade “melhor” ou “pior” do que a outra. A norma culta existe por conta de pressões sociais que exigem o emprego de uma determinada variedade para determinadas interações na sociedade, mas seria qualquer outra, caso os grupos sociais dominantes fossem outros. Por exemplo, podemos notar um certo “padrão” entre os jornalistas da Globo, normalmente alinhado às variantes do Sudeste. Isso se dá por uma certa imposição velada da empresa por representar o padrão da região economicamente mais poderosa do país. Se o Nordeste estivesse nesta posição, provavelmente o padrão “globês” seria outro.

É de se esperar, por outro lado, de um candidato a um emprego que requeira o trato com um público exigente que domine o padrão, e cabe à escola possibilitar aos cidadãos essa flexibilidade para trafegar entre as variedadades que cada um possui como herança de sua criação, de suas interações sociais, e a variedade padrão.

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