Crônicas de São João (parte 2)

Depois de ajeitarem a cama, pudemos tirar um cochilo e descansar.
Mais tarde saímos para ver a movimentação da cidade, coisa que não conseguimos, porque não havia movimento. Tivemos, na verdade, grande dificuldade de conseguir informações sobre qualquer coisa, embora as pessoas fossem sempre bem intencionadas. Simplesmente, não havia muita coisa acontecendo naquele dia.

A cidade de P. e seus habitantes pareciam para mim envoltos em uma aura de cansaço, como se regressassem de uma luta que perderam. Isso se notava nas fachadas degradadas, no olhar perdido, nas ruas sem vontade, nos andares recurvados. Soube que a era áurea foi na década de 30: fábricas, desenvolvimento. Talvez tenha sido difícil superar o fracasso, as falências, a volta ao status de cidade do interior.

Na praça onde aconteceriam os shows mais tarde, passava-se eternamente o som enquanto alguns bêbados conversavam. Tive nessa praça a epifania para um livro, mas não vou falar dele agora, porque é um pouco dolorido. Voltamos para nosso hotel.

[um parêntese para o hotel: tem essa coisa de que falei, essa dignidade vencida, esse ar de que, em algum momento, teve sua glória, mas parece ter se reduzido a um misto de pensão e estalagem. Quando disse que não havia encontrado o hotel na internet, a dona falou que a filha que fazia ‘essas coisas’ tinha ido morar em Recife e que agora não havia como. A chave do quarto é atada a uma grande placa de ferro em alto relevo com o nome do hotel, que em algum momento deve ter sido de bom gosto, mas que hoje apenas fazia peso e um ruído irritante. A piscina parecia não ser lavada com regularidade, embora tenha visto alguns meninos se divertindo nela, a despeito de minhas conjecturas.]

Na praça diante do hotel criaram uma cidadezinha cenográfica: farmácia, igrejinha, escola, prostíbulo, prefeitura. Meninos e meninas brincavam de polícia e ladrão, deixando-se algemar pelo ator que fazia o policial. Tudo muito simples, mas senti uma alegria de passear por aquelas ruas com meu filho. Era uma emoção preparatória para o dia seguinte, quando fomos para o Vale do Catimbau. Vimos uma quadrilha tradicional dançada por jovens da cidade e nos divertimos. Fiquei tocado com a energia que todos colocavam naquilo, como se daquilo dependesse o orgulho perdido.

Com um sentimento de derrota de minha visão pessimista da cidade, subi com minha mulher e meu filho para o hotel. Naquela noite, dormi pensando em fábricas de doce falidas e em jovens dançando para o futuro.

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