Genealogia poética, para quem acredita nisso

Hoje se completam cem anos do nascimento do poeta basco Gabriel Celaya (1911 – 1991). É um clichê essa coisa de datas redondas, mas eu não poderia deixar de lembrar. É muito comum perguntarem para você qual seu poeta favorito. No meu caso, tenho sérios problemas para responder a essa pergunta, pois não me vejo inspirado em um poeta em especial. Diria que, de uma maneira mais realista, sou uma sombra difusa de tudo o que li buscando ser um corpo; outra metáfora: sou uma voz ainda nascendo que, em seu timbre, contém diversas vozes que por vezes é possível identificar, por vezes se fundem para formar uma terceira voz – minha voz nascente?

O mais legal é que, à medida que vivemos, vamos agregando outras vozes – outras sombras? – a essa nossa voz, fruto do que lemos. Será que seria possível estabelecer o DNA poético de alguém por suas leituras essenciais, pelos primeiros poetas que leu? Duvido, porque esse DNA é tão mutante quanto nós, no mundo das experiências sensíveis e intelectuais. Mas não há como negar essa influência.

Pensando em Celaya, comecei a lembrar de meus primeiros poetas, na tentativa de destrinchar essas influências. Aí comecei a notar que eu li primeiro mais poetas em língua espanhola do que em língua portuguesa. Para quem acredita na coisa do DNA poético, uma pista. Celaya, Hernández, Neruda, Cernuda, Góngora.

A maioria desses poetas chegou a meus ouvidos por Paco Ibáñez, em suas magníficas canções. Depois fui ao texto. São poetas bem distintos entre si, mas que me tocaram de cara. O primeiro livro de poesia que li do começo ao fim foi Residencia en la tierra. Uma aluna minha da Fisk me emprestou na época. Uma edição da Cátedra, se não me engano. Já havia lido alguns dos 20 poemas de amor (…), mas o surrealismo de Residencia também foi um tapa. Surrealismo que eu só reencontraria muito tempo depois com Piva.

Muito antes de Piva, eu tinha lido Francisco Espinhara, numa tarde da Livro 7. O poema Black Sabbath[1. Esse poema está no livro Dose dupla, com Jorge Lopes] me fez dizer, no fundo do meu subconsciente, “eu quero escrever como esse cara”. Minha formação literária na escola foi muito precária. Não tenho lembrança de ler os clássicos, nem de ficção nem de poesia, na escola – fui aluno da rede estadual nos anos 80, devem entender o que estou dizendo.

Só descobri Drummond muito depois, por insistência e teimosia. Pessoa/Campos, por curiosidade, mas também são essenciais essas duas vozes, a última principalmente como o anátema da voz de [desvirtual provisório], meu segundo livro. Já na faculdade fui descobrir Terêza Tenório, Maria do Carmo Barreto Campello, Lucila Nogueira [2. Lucila Nogueira é a ‘culpada’ por descobrir essas duas poetas essenciais para mim. Havia passado um trabalho sobre as poetas comporâneas de Pernambuco. Coube-me Terêza e a um grupo amigo Dona Carminha. Tive acesso à família de Terêza e organizei, com esse grupo, uma visita de Dona Carminha à Federal.].

Alberto da Cunha Melo foi posterior, mas muito impactante também. Descobri Everardo Norões, outra voz silenciosa que martela na minha cabeça cada vez que eu abro as páginas dos livros dele. Depois comecei o processo de ler meus companheiros de geração. Biagio – seu primeiro e único até agora, Estandos – Artur Rogério, Fábio Andrade, André de Sena, Amanda Moraes, Helder Herik, Flô. Todos, de alguma forma, fazem parte desse processo simbiótico, seja pela afirmação ou pena negação de suas poéticas, como aliás é como fazemos com tudo o que lemos.

Enquanto isso, leio agora Georg Trakl, apresentado por Sidney Rocha. E já estou mudando. Outra vez.


2 Comentários
  • Ramos Sobrinho
    Postado às 13:26h, 30 junho Responder

    Deixe-se levar por Sidney Rocha e verá o resultado: o próprio caminho da perdição, metáforas a dentro da imaginação criadora. Por outro lado, leia-se
    Alberto da Cunha Melo: “O suor do poeta”, in “Marco Zero” – entre outros sortimentos.  Ramos Sobrinho

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