O livro “Estrangeiro no labirinto” tem quatro personagens principais.

O primeiro deles é um juiz, prestes a se a aposentar, que julga o assassinato de um arquiteto famoso, Dionísio Maranhão de Albuquerque. Uma colunista social funda uma ong, Viva Dionísio, que combate a violência e em algum momento irá de encontro ao juiz e suas opiniões sobre o caso. Como se fosse pouco, o juiz aparentemente é ligado a uma rede de pedofilia, o que aparentemente é propositalmente ignorado, por motivos desconhecidos.

O segundo personagem é um matador de aluguel cuja família fora assassinada quando criança. Criado pelo padrinho e ex-patrão, volta muitos anos depois à casa dos pais disposto a se retirar do negócio. Um reencontro com seu passado e o reconhecimento de quem é verdadeiramente, numa noite na casa, são essenciais para a decisão que precisa tomar.

A terceira personagem é também quem narra a história do assassino. Trata-se de uma prostituta viciada em crack e que faz um programa com o matador. A partir desse encontro sua vida tem uma reviravolta. Da mesma forma que os outros personagens, mas sem muita convicção, ela quer deixar a vida que tinha, mas isso talvez já não seja possível, por motivos que não posso revelar.

Há algumas coisas que marcam a linguagem desses personagens. Em primeiro lugar, nenhum deles tem o nome explicitado no livro. Na verdade, em alguns momentos em que seus nomes são citados aparece uma tarja que os oculta. Enquanto a narrativa do juiz é errática e confusa, pouco cronológica e propositalmente evasiva, a voz do assassino praticamente não aparece no livro (apenas uma única e decisiva vez), sendo responsabilidade da narradora, a prostituta, adentrar por seus pensamentos. Essa última, por outro lado, escreve a história do matador de aluguel à medida em que lhe é “ditada”. Daí a opção por usar um registro fora do padrão culto da língua em suas intervenções. Claro que isso implica um processo de recriação da linguagem, pois embora sejam percebidos problemas de ortografia, sintaxe e articulação de ideias, optei por preservar a pontuação, para manter o ritmo da oralidade. Uma grande inspiração para a construção da voz dessa mulher negra e oriunda de uma classe menos favorecida, mas com uma visão poética de sua realidade, a despeito de suas limitações, foi o livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, de Carolina Maria de Jesus. A história dessa personagem é contada de maneira indireta através de curtas narrativas em que escapa da obrigação de contar a história do assassino.

Mas falava que eram quatro os personagens. Pois bem, acredito que o quarto personagem é o próprio livro, que supostamente é considerado um artefato que aprisiona os vários personagens. Diversos narradores tecem teorias sobre a natureza da “prisão”. Cabala, tarô e física quântica  são alguns dos instrumentais usados para “explicar” o livro-prisão. Coloco aspas porque, longe de oferecer ao leitor uma explicação, as teorias acabam sendo tão labirínticas como a própria estrutura do livro, que mistura a árvore da vida da cabala com os arcanos maiores do tarô.

Deliberadamente, muitas das teorias expostas acabam sendo meta-teorias, pois não refletem necessariamente a realidade, a exemplo da explicação para uma numeração equivocada dos arcanos maiores adotada no livro ou a relação entre as 11 sefiroth da cabala e as 11 dimensões previstas na teoria das cordas. O recurso borgeano de misturar referências a eventos e personagens reais e auxiliares fictícios  aumenta a sensação de que não se sabe já o que é especulação ou teorias verdadeiras.

Naturalmente entendo que é um caminho complicado, principalmente porque não se pode exigir do leitor que entenda esses jogos, em especial se é um leitor que gosta dos temas abordados. Tarólogos bradarão sobre os “erros” presentes no livro. Físicos dirão que entendi errado a teoria das cordas. Historiadores vão questionar a existência desse auxiliar na Torre do Tombo etc. Mas, pensando em ser um livro de ficção, o compromisso com a verdade é algo secundário. Ou não?

De qualquer forma, algo que claramente une os três primeiros personagens é a fuga. Sendo o quarto personagem o próprio livro que talvez os aprisione (em uma das várias interpretações possíveis da coisa toda), fecha-se o conceito do labirinto, essa massa pastosa de linguagem de que está composto o romance.

Sem comentários

Desculpe, fechado para comentários.