PROCESSO DE ESCRITA DE UM ROMANCE

Todo livro que se lança é um livro morto. E essa morte tem a ver com o processo de dar o livro como terminado. Em poesia, isso acontece de maneira mais fluida, porque, no meu caso, como penso sempre o projeto do livro, tenho mais ou menos claro quantos poemas o livro terá, quantas partes, qual a ordem etc. Feitos alguns ajustes, o percurso do livro está mais ou menos traçado. O processo de escrita de um romance é bem diferente. Pelo menos para mim. Explico.

Embora se tenha o projeto do livro, isso de dizer que os personagens escolhem seu destino é verdade. A rota estabelecida muitas vezes nos leva a outros caminhos. Com Estrangeiro no labirinto isso aconteceu. Por exemplo, quando o narrador de um dos personagens mudou, por questões de linguagem, esse narrador ganhou tanta força que se tornou um personagem a parte. Aliás, a linguagem desse narrador é o maior personagem, creio.

 

Quando finalizar o romance

Mas o dilema maior, voltando ao tema inicial, é saber que o livro terminou. E isso é como as muitas mortes de uma separação: sabe-se que o livro terminou em parte, mas que ainda haverá muitas mortes até que se considere o trabalho terminado. Considerei a primeira morte do livro em julho de 2012, quando finalizei a primeira versão. Foi interessante porque a solução narrativa que encontrei para o final foi a mais simples possível, o que me causou receio de início. Só que o fato de ter esse final abrupto tinha tudo a ver com a proposta inicial, então foi natural.

O livro então foi para o estaleiro, onde alguns amigos mais próximos, leitores críticos, começaram a tecer suas considerações. Mais mortes a caminho. O livro passou pelo crivo do corte, da supressão, do enxugamento. Algumas críticas assimiladas, outras ignoradas. Afinal, o projeto nunca vai ser feito a prova de erros. Assumir esses riscos faz parte do ofício da arte, eu acho. Trilhar caminhos seguros pode ajudar a vender livros, mas não a fazer literatura, o que são coisas bem diferentes.

 

Post scriptum 2020

Finalizei a escrita de meu primeiro romance em julho de 2012, durante uma temporada numa propriedade de um escritor amigo. Dar o ponto final, chegar à última versão e, finalmente, enviá-lo à editora, ainda demoraria uns dois meses. É o tempo necessário para as últimas revisões, para as últimas dúvidas serem tiradas. Ainda viriam a revisão, alguns cortes, um pequeno acréscimo.

O livro ficou, no ano seguinte, entre os 20 melhores romances em língua portuguesa do Portugal Telecom. Isso significa que o resultado foi satisfatório? Nunca vou saber. O livro segue recebendo leituras, segue me surpreendendo. A despeito do que pensava quando comecei a escrever esse post muitos anos atrás, os livros, a despeito de nosso desejo, insistem em não morrer, e o processo de escrita de um romance não acaba com a publicação. Continua em cada leitor que o abre mais uma vez.

 

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2 Comentários
  • Conrado Falbo
    Postado às 10:36h, 20 janeiro

    Fiquei curioso para ler este projeto. Algumas expressões me chamaram a atenção no seu texto: “erro” e “caminho seguro”, por exemplo. Confesso que acredito cada vez menos no que ambas querem significar… A palavra “risco”, por outro lado, parece traduzir muito melhor as ideias que você expõe. Também acho que a morte significa apenas uma mudança de estado (e esta afirmativa não tem nenhuma implicação mística/metafísica): um fim sempre representa um (re)começo. O livro morre para o autor e ganha a possibilidade de nascer para cada leitor. Mas estou ensinando padre nosso ao vigário… Só queria deixar meu abraço!

    Avise quando este livro puder nascer para nós, leitores.

    A luta continua, sempre!

    • Wellington de Melo
      Postado às 11:49h, 27 janeiro

      Acho que é por aí mesmo! Te mantenho informado!