MITOS

Sabemos hoje que a história de Kafka ter pedido para Max Brod queimar todos seus escritos, e de que só conhecemos sua obra por conta da “traição” do amigo, é um mito.

Kafka (morto em 1924) publicou A metamorfose (1915), Um médico rural e Na colônia penal (ambos em 1919). Um artista da fome (1924) foi a última coletânea de contos que deixou pronta. O que não é mito: a última amante  do escritor guardou 20 cadernos com 35 cartas, mas não chegou a faturar nada: todos foram confiscados pela Gestapo em 1933.

Outra verdade: Kafka pediu, na carta-testamento, que Brod destruísse diários, manuscritos, cartas e obras inacabadas. E que não lesse nada. Brod não aguentou: leu os rascunhos de O processo, O castelo e O desaparecido. Todos romances.

CONTISTAS

“… e quando sai o romance?”

Essa pergunta é a que mais irrita os contistas. Como se o conto fosse um “ensaio” para o romance. Há também o canto da sereia do mercado, que insiste ser o conto um gênero menor. A maior traição de Brod talvez tenha sido publicar aquilo que o contista Kafka considerava a parte mais frágil de sua obra: os romances. Será que Brod encheu-lhe a paciência com a famigerada pergunta? “E aí, K., …”

VENDAS

Brod descolaria algum hoje com a literatura de Kafka?

O romance é um dos queridinhos do mercado editorial, mas o gênero mais vendido no nosso planetinha azul é a autoajuda e os seus congêneres. No Brasil, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (Instituto Pró Livro, 2016) revelou que livros religiosos são os mais lidos pelo público.

Já a lista dos mais vendidos de 2017 (Publishnews) é óbvia: autoajuda – incluindo a disfarçada de pseudo-filosofia-pop –, religiosos e biografias. Para vender, escreva um romance de autoajuda, autobiográfico com fundo religioso ou espiritual. O escritor francês Antoine Saint-Exupéry sempre soube.

Voltando à pesquisa do começo do texto, uma surpresa: sabe que gênero está em terceiro lugar em hábitos de leitura – Bíblia e religiosos em geral primeiro, claro –, mas à frente do romance? O conto.

Texto publicado originalmente na coluna Mercado Editorial, do Suplemento Pernambuco, em fev. 2018.

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