LITERATURA

Você talvez não conheça a criatura pelo nome, mas já deve ter vivenciado situações que envolvem a descoberta dos pesquisadores Justin Kruger e David Dunning. O fenômeno foi batizado com o nome deles. Aquele em que pessoas pouco preparadas acreditam saber mais que outras mais competentes em determinada área de conhecimento.

Indivíduos sob o efeito Dunning-Kruger têm uma ilusão de superioridade. Por isso, acabam tomando decisões equivocadas por não conseguir perceber sua completa incapacidade.

Quem nunca ficou constrangido ao dizer a alguém, que se considera escritor, que aquelas mil páginas de originais em que investiu anos de sua vida não são literatura? E quem já viu essas mesmas pessoas com a boca cheia de verdades para uma plateia atenta e cativa?

ESCRITORES

“É a vaidade, Fábio”

Prove que alguém que se diz baterista não o é: peça que execute, uma parte do solo de Moby Dick, do Led Zeppelin. Comprove a incompetência do ministro: veja-o trocar Kafka por “Kafta”. Ou ser um economista e não saber a regra de três. Ok, o exemplo nem é bom, milhões ainda não perceberam.

E com escritores? Ah, essa “rosa, que da manhã lisonjeada,/ púrpuras mil, com ambição dourada,/ airosa rompe, arrasta presumida”.

LIVROS

“Call me Ishmael”

Dunning e Kruger provaram com seus experimentos que “a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento”. Por isso, o fervor religioso com que alguns escritores e escritoras defendem sua obra é incompatível com o amor à literatura.

Por outro lado, quem imagina que para ser escritor basta ser alfabetizado e escrever relativamente está equivocado. Não percebe que há mais diferenças entre “Me chame Ismael” e “Meu nome é Ismael” — como trazem algumas más traduções — do que sonha sua vã filosofia. Esse outro Moby Dick, o de Melville, condensa séculos de literatura, milênios da tradição judaico-cristã num arranjo singular. Aliás, o arranjo é um dos segredos, enfim.

Mas como falar de arranjo — de um romance ou de um solo de bateria — com quem ignora o princípio das notas?

Texto publicado originalmente na coluna Mercado Editorial, do Suplemento Pernambuco,  de julho de 2019.

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