Complexo de leitor vira-latas

Sobre a polêmica em torno dos livros de colorir ou o complexo de leitor vira-latas

Os livros de colorir para adultos viraram a última febre editorial. Para quem não ouviu nada a respeito, tratam-se exatamente disto: livros com padrões complexos feitos para colorir. Os defensores afirmam que os livrinhos são uma excelente atividade anti-stress, enquanto que os detratores da moda chamam a atenção para o fato de esses livros venderem mais do que literatura adulta – será que vendem mais do que biografias, principalmente agora que foram liberadas? Mas me adianto em outro assunto a discutir.

Voltando aos livros de colorir: há muita reclamação nas redes sociais, principalmente, creio, das pessoas ligadas à leitura – não foram poucos os escritores que vi chateados com a onda. A pergunta que me fiz é se esse incômodo é uma questão mundial – como a moda – ou se tem maior destaque por nossas paragens. A segunda é: por que efetivamente incomoda tanto? Há várias respostas, mas vamos tentar chegar ao centro da questão.

Os best sellers Floresta encantada e Jardim secreto trazem a mesma fórmula de sucesso: ilustrações – muito bem feitas, por sinal – em linhas prontas para quem alguém possa colorir, com lápis de cor ou pastel. No que isso poderia incomodar as pessoas? Parece um cacoete  hipster isso de reclamar das conhecidas modinhas: tudo que vira modinha é meio chato, talvez pela replicação eterna, como a onda gourmet e as famigeradas carrocinhas de lanche, que agora viraram food trucks – essa moda de colocar tudo em inglês para soar com mais status já nem é moda, virou uma instituição nacional. Até aqui, apenas birra de criança mimada que não quer perder a exclusividade de seu brinquedinho.

Parece um cacoete hipster isso de reclamar das conhecidas modinhas: tudo que vira modinha é meio chato, talvez pela replicação eterna, como a onda gourmet e as famigeradas carrocinhas de lanche, que agora viraram food trucks

 

O troço fica sinistro quando os reclamadores de plantão tratam da invasão dos livros de colorir como uma luta entre esses e os livros de… ler. Ok, a princípio parece fazer sentido. “Por que comprar um livro para colorir se posso comprar um livro para ler?” é uma pergunta fácil nesses dias, mas tem tanta pertinência como “Por que vou fazer exercício físico se posso estudar física quântica?”. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, já disse algum filósofo futebolístico anônimo. Ressentir-se com a sanha das editoras – que querem, no final das contas, dinheiro – de publicar esses livros, como se fossem tirar o espaço dos livros “de ler” – em outras épocas seria uma redundância – só faz sentido num país que também se ressente de não ser, ainda, um país leitor. Será que em países com cultura leitora, como a França, esse incômodo existe? Lá, segundo o Diario de Pernambuco, livros do gênero já superam os de gastronomia em volume de vendas. Será que os escritores que reclamam dos livros de colorir cozinham? A saber.

Confesso que, num primeiro momento, pensar que as pessoas preferem pintar desenhos faz você se questionar se está no ramo certo, já que leitores são uma espécie em extinção e o tempo de leitura, que já é roubado de outras atividades multimídia, se torna cada vez mais escasso. Insisto, no entanto, que essa reação de alguns escritores soa como o lamento de um desesperado em tempos de penúria- farinha pouca, meu pirão primeiro -, mesmo porque, como alguns mais sensatos já estão avaliando, uma coisa não elimina a outra. São atividades diferentes e não creio que se vá ler menos agora que as madames descobriram as maravilhas da Faber Castell. Pode até causar algum impacto na venda de livros, mas não na leitura, aliás. Não posso deixar de pensar que, no final, acaba sendo meio um complexo de leitor vira-latas.

 

 

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